18/11/2015

Dois livros

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

dois livros
1 | Pesquisa e disciplina

            O historiador Renato Berbert de Castro merece o respeito de todos nós pela seriedade e pelo empenho com que se dedica ao trabalho de pesquisa, quer sobre fatos da nossa história quer sobre personalidades. A literatura tem sido beneficiada pelo trabalho deste estudioso através de biografias de autores, a exemplo do poeta Junqueira Freire. O acadêmico e historiador baiano trouxe à tona em seu trabalho dados importantes sobre o ambiente familiar do autor de Confissões do Claustro, inclusive os tortuosos caminhos do pai do nosso poeta romântico.
            Agora, Renato Berbert de Castro junta-se aos estudiosos de Xavier Marques, contista e novelista baiano ao qual David Salles dedicou muitos anos do seu vida acadêmica. O acervo Xavier Marques, incluindo-se aí as cartas recebidas pelo escritor estão no Arquivo da Academia de Letras da Bahia, instituição que detém o privilégio de ter Renato Berbert de Castro como Diretor do seu Arquivo.
            O modo constante, disciplinado, ou até mesmo compulsivo, com que Renato Berbert cumpre com os deveres do cargo, torna este Acadêmico uma figura impar e indispensável. O resultado deste trabalho são as suas constantes publicações, zelando pela fixação da História da Companhia. Depois dos seus trabalhos é muito mais fácil conhecer a Academia Baiana e alguns dos luminares das nossas letras.
            Renato Berbert de Castro é, sem dúvida, um pesquisador responsável, honesto e disciplinado. Prova disso ele vem dando constantemente, inclusive agora, com a publicação do livro Xavier Marques e a Academia Brasileira de Letras. Com prefácio de Josué Montello, o livro reúne em dois volumes a correspondência dos candidatos à Academia enviada a Xavier Marques no período de 17 de setembro de 1920 a 30 de outubro de 1942, abrangendo os vinte e dois anos de vida acadêmica do contista de Jana e Joel.
            Mas o material não é publicado de modo aleatório. Renato não se permite fazer uma simples organização da correspondência. Ele se deu ao trabalho de vincular as cartas, bilhetes, cartões e telegramas a cada uma das quarenta cadeiras da Academia Brasileira. Temos assim, quarenta capítulos no seu livro, além das preciosas notas pospostas a cada capítulo. Nestas notas o historiador deixa patente a marca do seu trabalho e o rico e variado acervo de informações por ele dominado.
            Um momento impar do livro de Renato Berbert de Castro é o capítulo dedicado à cadeira número onze da Academia Brasileira. Depois de transcrever duas correspondências que Monteiro Lobato enviou a Xavier Marques em 1925, as esclarecedores notas do livro trazem importantes documentos para o entendimento do chamado “Caso Monteiro Lobato”, que em 1944 ocupou páginas e páginas da grande imprensa do país.
            O reconhecido e injustiçado autor de Urupês bateu duas vezes à porta da Academia, que não atendeu ao se desejo de nela ingressar. Num dos escrutínios Lobato chegou a ter apenas dois votos. Por isso, em 44, quando dez acadêmicos — entre eles nomes ilustres como Olegário Mariano, Menotti del Picchia, Viriato Correia, Manuel Bandeira, Alceu Amoroso Lima, Cassiano Ricardo, Múcio Leão (Presidente da Academia), Oliveira Viana, Barbosa Lima Sobrinho e Clementino Fraga — propuseram à Companhia eleger Lobato, o mestre do conto brasileiro reagiu com certa indiferença.
            Ao ser consultado pelo presidente da Academia se aceitava a indicação do seus nome, Lobato agradeceu ao gesto dos Acadêmicos, mas disse não estar disposto a concorrer. O regimento previa a inscrição de candidatos ou, excepcionalmente, a indicação ao plenário de um nome ilustre. O indicado deveria responder se aceitava a indicação e se desejava concorrer à vaga. O já velho Monteiro Lobato não mais queria se submeter a decepções. Chegou mesmo a ironizar com a Academia em entrevistas aos jornais.
            O fato de grandes nomes da Confraria terem declarado o desejo e a conveniência de terem Monteiro Lobato entre seus pares não foi suficiente para apagar as decepções anteriores.
            Lembre-se que na década de vinte, o já consagrado escritor sofreu dois golpes do mundo literário. O primeiro, dos modernistas, cuja oposição contribuiu para identificar Lobato como um passadista qualquer, o que sabemos ser injusto. O segundo, dos acadêmicos, onde estavam os verdadeiros passadistas.
            Quando, em 44, muitos nomes do modernismo que renovaram a Academia Brasileira quiseram reparar as duas injustiças, já era tarde, porém. Lobato se desculpou dizendo que sua recusa a uma nova candidatura não significava desapreço: “É apenas coerência, lealdade para comigo mesmo e para com os próprios signatários; reconhecimento público de que rebelde nasci e rebelde pretendo morrer. Pouco social que sou, a simples idéia de me ter feito acadêmico por agência minha me desassossegaria, me perturbaria o doce mecanismo ledo e cego em que caí e me é o clima favorável da idade.”
            Aos interessados em conhecer melhor este episódio, convém a leitura do livro de Renato Berbert de Castro.

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Pesquisa e disciplina. Artigo crítico sobre o livro Xavier Marques e a Academia Brasileira de Letras, de Renato Berbert de Castro. Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1996. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 13 mai. 96, p. 7.


2 | Uma biografia de Raul Seixas

            Thildo Gama traça um painel da vida baiana dos anos sessenta para situar o compositor Raul Seixas no panorama musical da cidade. Ex-guitarrista do conjunto “Raulzito e seus panteras” e amigo de infância do roqueiro, Gama tem toda condição de escrever uma biografia do seu companheiro e ídolo.
            O resultado é um livro interessantíssimo e bom de ler: Uma biografia de Raul Seixas. Li de um só fôlego as mais de cem páginas, nas quais Thildo Gama conta deste as primeiras experiências de um menino que cantava músicas de Élvis Plesley até o sucesso do criativo compositor e seus anos de decadência, dominado pela doença diabética e pela necessidade de beber.
            É verdade que o rico material que o autor tem em mãos permitiria melhores resultados se Thildo Gama fizesse seu relato em parceria com alguém mais experiente no trabalho de escrever. Sente-se em muitos capítulos a falta de rigor para constituição de uma biografia, quando o texto resvala para a crônica saudosista ou para a recordação de bons momentos vividos pelo autor do livro
            Embora, o seu entusiasmo e a sua inteligência fizessem do seu relato um texto bom de ler, muitas passagens precisam ser revistas e melhoradas.
            O curioso é que mesmo publicado de forma precária e por uma editora sem nenhuma expressão, o livro já vendeu mais de quinze mil exemplares. Isto mostra que o assunto interessa a muita gente e que o Trabalho de Thildo Gama não pode ser ignorado. Convém, portanto, reescrever o livro e partir para uma editora de prestígio nacional. Assim, quem sabe, Gama poderá se tornar um best-seller a exemplo de outro companheiro e parceiro de Raul Seixas, Paulo Coelho, que, mesmo com todos os defeitos da sua escrita, vende tanto quanto os grandes nomes da literatura.

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