18/11/2015

Fup

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Novo romance norte-americano

  

Um livro hilariante
e essencialmente mítico,
segundo a crítica
norte-americana.



O leitor brasileiro conhece Jim Dodge como o autor de Fup, uma excelente narrativa, cujo bom humor e divertida facilidade do autor de contar uma história atraiu a atenção dos leitores de vários países.
Publicado nos Estados Unidos, em meados de 1983, por uma pequena editora da Califórnia, o livrinho alcançou três edições em apenas quatro meses, graças à divulgação, boca a boca, feita exclusivamente pelos leitores entusiasmados. Deste modo, chamou a atenção dos grandes jornais e editores do mundo inteiro e consagrou o nome do autor.
Foi classificado pelo Los Angeles Times como “uma fábula contemporânea de charme, sabedoria e beleza transcendentais” e reconhecido pelo New York Times como “um best-seller do underground”.
Em 1984 o livro fazia sucesso no Brasil, alcançando mais de uma edição pela Nova Fronteira. Desde então o leitor brasileiro registrou o nome de Jim Dodge, autor de uma narrativa pequena e densa, graças à economia narrativa de um escritor deliberado a divertir e dizer algumas coisas que considerava essenciais.
Agora, a José Olympio lança o romance O enigma da pedra, revelando um Jim Dodge caudaloso e rocambolesco, ao longo das mais de quatrocentas páginas do livro. Se no pequeno livrinho de noventa páginas, a história de Fup, um pato fodido (conforme a tradução do seu nome), era contada em letras grandes e espaço branco para que o texto permitisse a impressão de um pequeno volume, O enigma da pedra espreme a mirabolante história de Daniel Pearse numa letrinha miúda e apertada para caber em quatrocentas e poucas páginas.
Mas Jim Dodge é um mestre da narrativa curta, condensando aí todo o poder da sua fantasia e toda densidade da sua criação. Ao pretender escrever um livro grande, conforme o figurino dos lucrativos best-sellers americanos, abdicou da possibilidade de escrever um grande livro, criando lugares comuns tão esperados como o trocadilho desta frase.
É uma pena.
As primeiras cem páginas do livro prometem ao leitor um Jim Dodge tão vivo e cheio de tiradas impressionantes como as de Fup, mas a narrativa é emperrada pelo enfoque novelesco das várias aventuras do personagem, que aprendia as artes da malandragem com mestres escolhidos pela Amo, uma inverossímil sociedade beneficente de foras-da-lei.
O narrador constrói uma benemérita “máfia” boazinha, como uma fada madrinha dos contos infantis, e para compensar a ingênua criação revela o lado sórdido do poder oficial americano, especialmente da famigerada CIA.
Mas os capítulos dedicados à formação de Daniel como arrombador de cofres, consumidor e traficante de drogas, falsário, trapaceiro etc., nem sempre são divertidos e ágeis. Às vezes, revelam a sua condição de “enchedores de lingüiça”, já que foram concebidos para dar corpo a uma história curta, no seu núcleo ou na sua essência.
Assim como alguns autores foram talhados para escrever contos, outros tiveram sua criatividade dirigida para pequenas narrativas que não chegam a constituir um romance. Forçar a barra termina em desastre.


Um best-seller
segundo os padrões
comerciais americanos, diga-se.



         Assim é Jim Dodge: sua linguagem irreverente, sua narrativa viva e bem humorada ficam monótonas e melancólicas quando pretendem se espichar. Ele continua sendo um “genial” autor do velho e renascido underground. Deixar suas calças jeans e sua camiseta de lado, para envergar um fraque ou uma casaca longa, torna o corpo tristemente desengonçado.
Parece que o velho Fup foi escrito como devem ser escritas as boas obras literárias: com garra e encantamento. Já O meio da pedra nos lembra uma escrita ambicionando o figurino dos best-sellers mais rentáveis e menos originais.
Quando a narrativa se ocupa do aprendizado de Daniel como jogador de cartas, intermináveis páginas relatam monótonas partidas com a fidelidade de um escrivão juramentado. Para os viciados em carteado, o texto deve ser uma excelente recordação masturbatória do jogo em si. Para o leitor ávido em acompanhar o desenrolar da pequena e inchada trama, estas longas páginas são um convite para se pular para a situação seguinte.
            Se o leitor estiver a fim de rescrever o livro no ato da leitura, cortando as páginas que atulham o caminho da narrativa, vai se divertir com este exercício destinado a garimpar no curso da escrita de Jim Dodge. Fora daí, sentirá a frustração, muito embora continue lendo até o fim porque, apesar do entulho comercial jogado no meio do corredor, Jim Dodge continua sendo um escritor ágil e capaz de fazer brilhar o seu engenho criador.

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Novo romance americano. Artigo crítico sobre o livro O enigma da pedra, de Jim Dodge. Rio de Janeiro, José Olympio, 1995, 424 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 20 nov. 95, p. 5.
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