18/11/2015

Criação e fantasia

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas


Criação e fantasia



 “Quando se fala em realidade, fala-se em coisas difíceis
e desagradáveis,
mas não é só isso,
ela é um conjunto de pequenos tesouros, para os quais nem sempre temos os olhos abertos.”
João A. Carrascosa



            – “Essa história da Lua do Futuro que vou contar a vocês, e a fantástica viagem que eu e Ali-Ado fizemos à Cidade dos Duplos, nem sequer me passava pela cabeça quando, naquela manhã ensolarada, fui recolher o sonho da noite anterior. Lembro-me de que acordei meio assustado, com os olhos cheios de dúvida e o coração pulsando como um bicho enlouquecido. Eu sonhara que existia um outro Apo-Luzi, igualzinho a mim, num lugar distante do Vale dos Luminas, e precisava encontrá-lo de qualquer jeito.”
            A narrativa começa prometendo uma viagem interior cheia de peripécias pelos caminhos e vales de uma terra desconhecida. A partir da busca de si mesmo, que o jovem empreende para se encontrar e para se tornar adulto, João A. Carrascosa constrói esta sua novela destinada a crianças e adolescentes.
            Criação e fantasia caminham de mãos dadas para surpreender e encantar e leitor. Os herói da história partem em busca de uma cidade situada no futuro e que é uma réplica da sua própria cidade. É nela que moram os duplos de cada uma das pessoas. É nela que habita aquela outra parte de cada um; que, quando encontrada, o torna mais sábio e mais senhor dos seu destino.
            Alguns dos episódios iniciais deste livro criam a sensação de estarmos diante de uma obra destinada a se tornar um clássico do gênero. Seu poder de encantamento é similar ao de muitos livros escritos para crianças que atravessam os anos e continuam vivos como uma luz que se auto alimenta. Esta impressão só é quebrada por algumas soluções que, com um pouco mais de trabalho, seriam menos artificiais. Às vezes, o narrador se excede nos vôos da fantasia criando um discurso demasiadamente alegórico para a realidade da obra.
            Como somos convidados a acompanhar as pegadas dos personagens, a realidade deste mundo imaginário passa a ser, durante a leitura, a nossa realidade referencial, com suas leis e seus possíveis. Toda promessa precisa ser cumprida neste espaço mágico. Qualquer promessa não cumprida de realização de fantasias diminui a confiança do leitor neste seu guia-narrador pelos descaminhos da imaginação.
            Os nomes dos personagens, embora se sustentem na clássica atribuição de um significado — onde cada nome contém em si mesmo uma pequena narrativa ou anuncia o caráter e as ações do personagem nomeado –, terminam soando repetitivos. Ali-Ado, Segui-Dinha, Apo-Luzi, Sabi-Don são soluções demasiadamente esperadas. O processo de composição de um nome é idêntico ao do outro, sem permitir ao leitor exercitar um pouco mais a inteligência. Todos eles são compostos e separados por um hífen, criando uma similaridade abusiva. Que Ali-Ado, pela grafia, pareça filho de árabe, tudo bem; mas uniformizar todo mundo já lembra parada de Sete de Setembro, recreio em colégio de freiras ou desfile de marujos do Brasil. Trabalhar mais a construção destes nomes, evitando a aplicação de uma mesma fôrma, só contribuiria para o crescimento do livro. Afinal de contas, a cultura de massa ou os programas televisivos abusam da repetição como forma de tornar as coisas mais fáceis e tragáveis.
            João A. Carrascosa, que, antes de tudo, é um escritor que sabe dominar os instrumentos do seu ofício, pode nos dar bem mais do que os profissionais da indústria cultural. É isto que esperamos dele. Como A lua do futuro certamente terá outras edições, a crítica poderá ser benéfica como desafio ao autor. Afinal de contas, não estamos diante de um dos muitos textos descartáveis que se publicam para crianças, mas diante de uma obra que veio para ficar. E, por isso mesmo, a ela não se permitem soluções de superfície.

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Criação e fantasia. Artigo crítico sobre o livro A lua do futuro, de João A. Carrascoza. São Paulo, Ática, 1995,  128 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 14 out. 96, p. 7.
           
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