18/11/2015

Literatura comparada

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

Literatura comparada e erudição

            O título deste livro não dá, por si mesmo, a medida da profundidade e da seriedade dos ensaios reunidos por João Carlos Teixeira Gomes numa obra que é uma das mais importantes contribuições ao estudo da literatura brasileira. O ensaísta adota, na maioria dos trabalhos, o método comparativo como instrumento de conhecimento da nossa literatura e ponto de partida para reavaliação dos textos.
            Estudioso maduro, senhor de um sistema de conceitos já sedimentados, o autor do livro tanto pode trazer contribuições originais quanto retomar temas já estudados com insistência, porque o seu enfoque se sustenta numa reflexão bom fundada e conseqüente, emprestando aos velhos temas feições revistas e capazes de estimular o debate frutífero.
            Não tenho dúvida de que Teixeira Gomes é hoje o estudioso baiano que tem trazido contribuições mais valiosas à Literatura brasileira. Nesta terra de muita fama – ou de muita fala e pouca escrita (ou, pelo menos, pouca publicação) – dois livros de Teixeira Gomes tornam-se consulta obrigatória para os temas tratados. Gregório de Mattos: Um estudo de plágio e criação intertextual é o livro mais completo e mais instigante sobre o “Boca de Brasa”. A adoção do enfoque comparado e a abordagem da intertextualidade inserem os estudos gregorianos no bojo das preocupações mais atuais, sem que isso represente um modismo mas uma forma de redimensionar uma tradição e entendê-la a partir de um discurso sintonizado com o pensamento do nosso tempo.
            Não esqueçamos que antes de se tornar tema recorrente do empolado discurso acadêmico de grau, a intertextualidade é ela mesma a base da literatura ocidental na sua tradição greco-latina. A poética clássica latina tinha como preceito maior o estabelecimento de uma ponto de trânsito constante dos modelos gregos. A partir daí o processo intertextual domina a literatura européia, reassumindo o compromisso clássico a partir do século XVI.
            Teixeira Gomes compreende o nosso barroco com base nas noções fundamentais de intertextualidade e de uma perspectiva segura da Literatura Comparada, estendendo o olhar a outros momentos literários.
            O segundo livro fundamental é este A Tempestade Engarrafada. Deve-se mesmo lamentar o fato dos estudos de Teixeira Gomes não saírem por uma editora de circulação nacional. Apesar da boa intenção dos órgãos oficiais de cultura, esta é uma série provinciana em quase todos os sentidos. O selo que identifica a coleção traz os dizeres: “As letras da Bahia. Terra da cultura e da alegria”. Já a partir da sua identificação o selo sugere propaganda turística de show folclórico ou de barraca de caranguejo.
            Os sulistas têm um forte preconceito contra os baianos. Uma riminha besta como esta que órgãos do quilate da Fundação Cultural e da Secretaria de Cultura e Turismo encontraram para encastoar vistosamente no frontispício dos seus livros nos expõe ao riso e à galhofa.
            A coleção tem um conselho editorial formado por pessoas altamente qualificadas, mas certamente este conselho não foi consultado a respeito do “slogan” folclórico. Intelectuais como Florisvaldo Mattos, Hélio Pólvora, Pedro Moacir Maia e os outros que integram o conselho (desconheço todos os nomes) não aprovariam baboseiras semelhantes. O bom gosto e o bom senso dos conselheiros é notório. Se alguma autoridade da área de cultura costuma ler seções de cultura nos jornais que leve o recado ao Diretor da Fundação ou ao Secretário de Cultura: Ainda é tempo de tirar esta baboseira do frontispício dos livros! Todos os autores publicados na série temos vergonha desta gaiatice.
            Por outro lado, o esforço louvável dos senhores Paulo Gaudenzi, José Augusto Buriti e Tasso Franco em publicar uma coleção de temas baianos poderia ter melhores conseqüências se os livros circulassem nacionalmente, ultrapassando os limites provincianos. Sabemos que o serviço público não tem condições de por os livros nem mesmo nas livrarias do nosso estado. Um convênio com uma editora de distribuição nacional (elas estão sediadas em São Paulo, mesmo as do Rio) resolveria o problema.
            Um livro como este de João Carlos Teixeira Gomes nos leva a lamentar que a coleção “As Letras da Bahia” imprima mas não publique seus livros. Publicar é tornar público, tornar acessível. A EGBA cumpre a sua parte, imprimindo os volumes. É preciso que eles sejam publicados nacionalmente.
            Retomando a análise do livro, o estudo que dá título ao volume de Teixeira Gomes busca um confronto entre aspectos da obra e da vida de Alfonsina Storni com Florbela Espanca, tomando o excesso de emoção que a palavra de uma e outra poeta condensa para fazer explodir na leitura. São ao todo onze estudos, alguns particularmente importantes, como “Literaturas-emissoras e literaturas-receptoras”, texto que se propõe a corrigir antigos preconceitos impostos pela ideologia do pessimismo, segundo os quais a nossa produção literária da época colonial é um apêndice menor da literatura portuguesa. Teixeira Gomes parte da literatura comparada para demonstrar como algumas obras da antiga colônia estabeleciam um diálogo vivo com as literaturas emissoras mais expressivas. Ele demonstra, inclusive, que em muitos períodos a literatura portuguesa foi apenas um veículo, um canal intermediário entre os emissores de modelos literários e o processo de formação da literatura brasileira.
            “Presença do mito na formação da literatura brasileira”, “Magalhães e os caprichos da fortuna literária” e “Um romance indianista esquecido” são ensaios que retomam pontos da maior importância, ora pelo objeto estudado em si, como é o caso do primeiro ensaio, ora por demonstrar como as circunstâncias de um momento histórico passado determinam, a partir de preconceitos que se projetam no futuro, a teia que atualmente sustenta nossa visão histórica da literatura brasileira.
            Evidentemente, por abordar temas diversos e problemas múltiplos, o livro de Teixeira Gomes não pode ser compreendido a partir de uma crítica de rodapé. Cada ensaio exige um enfoque particular. Pretende-se aqui oferecer uma sinopse do que foi visto estimular o leitor a estabelecer um diálogo com este trabalho.

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Literatura comparada e erudição. Artigo crítico sobre o livro A tempestade engarrafada, de João Carlos Teixeira Gomes. Salvador, Egba, 1996, 244 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 3 jun. 96, p. 7.

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