18/11/2015

Negro

LEITURA CRÍTICA ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cid Seixas

O Negro no Literatura Norte-Americana


            John Edgar Wideman foi criado num gueto negro em Pittsburgh e conseguiu ser o primeiro em sua família a entrar no “mundo dos brancos”: a universidade, uma vida de classe média, mulheres brancas etc. Foi um bem sucedido estudante de Oxford e depois professor da Universidade de Massachussets, atividade que vem compartilhando com a de escritor bem recebido pela grande imprensa norte-americana.
            Livros de contos como The stories of John Edgar Wideman e romances como Rubem, este último já traduzido no Brasil, levaram o New York Times a colocar este escritor negro na lista dos nomes de maior destaque da literatura norte-americana. Com isto, Wideman abriu um espaço importante para intensificar o trabalho de criação de um painel do negro na literatura dos Estados Unidos. Um painel traçado a partir da perspectiva do próprio negro.
            Acaso sou o guarda de meu irmão? é um romance documento ou, se preferirem, uma crônica biográfica da família do autor. Publicado originalmente com o título de Brothers and Keepers (Irmãos e guardas) foi escrito a partir de fatos reais que reinseriram o autor no âmbito dos problemas de um gueto negro num país dividido pelo ódio ou pela intolerância racial.
            Quando em 1975 Robby, o irmão mais novo de Edgar Wideman, foi preso com outros companheiros de bando por assalto e homicídio, o escritor-personagem foi retirado do seu distante e confortável exílio no mundo dos bem-sucedidos cidadãos americanos para retornar às atribulações da comunidade negra. Aí ele assume integralmente o modo de pensar de um negro americano, com suas angústias, sua frustrações e o cruel confronto com os preconceitos de uma “sociedade de vencedores”.
            Negros, latinos e estrangeiros de um modo geral são vistos como homens de qualidade inferior pelo “bom senso” norte-americano. Todos seriam, não só, menos aptos para a vida social do mundo moderno, como também potenciais delinquentes. Antes que seja provada a inocência destes cidadãos de segunda classe, são todos culpados e como tal são tratados.
            Para aqueles que pensam que o preconceito racial dos americanos pode ser comparado com o do Brasil, convém trazer um dado singular. Aqui o preconceito se manifesta de modo contraditório e indeciso. Em cidades como Salvador ou Rio de Janeiro, por exemplo, a primeira com uma população formada por setenta por cento de negros, o preconceito é uma forma sutil de fugir de si mesmo, de sua alma de seu espelho. É um conflito no interior do próprio sujeito. Lá, o preconceito é uma guerra constante, onde o extermínio do adversário é a forma definitiva de vitória.
            Convém lembrar que há anos atrás até mesmo a ciência norte-americana procurava legitimar os preconceitos. Quando os americanos substituíram as clássicas medições do peso e do volume do cérebro para demonstrar a superioridade de inteligência de uma raça sobre outras, se apossaram dos métodos de avaliação da inteligência de Binet para produzir obras primas do etnocentrismo.
            Em 1913, eles aplicaram nos emigrantes que desembarcavam no porto de Nova York testes de inteligência — que passou a ser chamada de Q.I. (quoeficiente intelectual). Confrontando os risonhos cidadãos americanos com os estressados, famintos e assustados fugitivos das misérias do velho mundo, concluíram que cerca de oitenta por cento de russos, italianos, húngaros e judeus tinham uma inteligência ou um Q.I. próximo dos idiotas.
            Se até mesmo os judeus, hoje ocupando lugar de grande prestígio na vida norte-americana, eram considerados quase idiotas, imaginem os outros povos...
            Cercadas de preconceitos em todos os campos, as minorias vivem experiências dramáticas nos Estados Unidos. O livro de Edgar Wideman quer ser, ao mesmo tempo, obra literária e documento de análise e denúncia da segregação do negro.
            Como documento traz dados irrefutáveis, como obra literária divide-se entre bem engendrados recursos narrativos e cansativos monólogos de personagens-narradores. Wideman concebe seu romance-documento como um livro que conta a história de um livro. Assumindo no texto a sua condição de professor universitário e de escritor bem sucedido junto ao público, o narrador se propõe a estabelecer um diálogo com o irmão, visando resgatar a sua própria identidade perdida e ao mesmo tempo aproximar-se daquele irmão distante, através da sua história de delinquente.
            A narrativa ora é assumida pelo personagem John Edgar Wideman, ora pelo seu irmão Robby. Apesar deste duplo foco a monotonia se instala quando estas duas narrativas são muito próximas na linguagem e no ritmo. Falta aquilo que Bakhtin chamou de dialogismo, isto é, falta uma personalidade de falante, um caráter distintivo, para cada um destes narradores-personagens. A fala de um e de outro, pelo menos na tradução brasileira não apresenta diversidade capaz de ser percebida pelo leitor. São diferenças sutis e insuficientes, fazendo com que, no livro, um e outro sejam simultaneamente irmãos e guardas.
            A descrição de um cenário, de uma sala, ou de um objeto, interrompe a narrativa e, pela frequência da contemplação descritiva, anula a ação da trama. O leitor se vê diante de uma narração estática, quando aspira por um pouco de movimento, tornando também moroso e sonolento o seu ritmo de leitura. Não é um livro que se lê de uma só vez, com interesse crescente. Lê-se a intervalos, na esperança de se ver embalado por uma pulsação mais viva.

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O negro na literatura norte-americana. Artigo crítico sobre o livro Acaso sou o guarda de meu irmão?, de John Edgar Wideman. Romance. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996, 320 p. Coluna “Leitura Crítica” do jornal A Tarde, Salvador, 17 jun. 96, p. 7.

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